Brasil: a nova lista suja do
trabalho escravo
By: outras mídias
Mais 52 proprietários flagrados – entre eles grandes usinas de
açúcar, madeireiras, empresários e até empreiteira envolvida na construção
da hidrelétrica de Jirau
Por Bianca Pyl,Daniel
Santini eMaurício Hashizume, no Repórter Brasil
A “lista suja” do trabalho
escravo, cadastro de empregadores pegos em flagrante na exploração
de trabalhadores em condições análogas à escravidão, nunca teve tantos nomes.
Atualizada nesta semana, a relação cresceu com a entrada de 52 novos registros
e chegou ao recorde de 294 nomes. Entre os que entraram estão alguns dos
principais grupos usineiros do país, madeireiras, empresários e até uma
empreiteira envolvida na construção da usina hidrelétrica de Jirau. A lista
inclui ainda médicos, políticos, famílias poderosas e casos de exploração de
trabalho infantil e de trabalho escravo urbano, que será tema de reportagem
especial da Repórter Brasil nos próximos dias.
Divisão por estado dos incluídos
no cadastro
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1. Pará (PA)……………….9
2. Mato Grosso (MT)…….8
Minas Gerais (MG)……8
4. Paraná (PR)……………5
5. Rondônia (RO)………..4
Maranhão (MA)……….4
7. Espírito Santo (ES)……3
8. Goiás (GO)…………….3
9. Santa Catarina (SC)….3
10.Alagoas (AL)…………..1
Amazonas (AM)……….1
Rio de Janeiro (RJ)…..1
São Paulo………………1
Tocantins (TO)…………1
|
Após serem flagrados explorando
mão-de-obra escrava, todas as pessoas e empresas tiveram chance de defesa em processos
administrativos. Somente depois de esgotados todos os recursos,
foram incluídas no cadastro. Entre os novos registros, há casos como o de
Lidenor de Freitas Façanha Júnior, cujos trabalhadores, sem opções, bebiam água infestada com rãs,
e o do fazendeiro Wilson Zemann, que explorava crianças e
adolescentes no cultivo de fumo.
Entre os estados com mais inclusões
nesta atualização estão novamente o Pará e o Mato Grosso, com nove e nove nomes
inseridos, respectivamente. A incidência do problema no chamado arco do
desmatamento demonstra que a utilização de trabalho escravo na derrubada da
mata para a expansão de empreendimentos agropecuários segue presente.
A inclusão na “lista suja” limita o
acesso a crédito em instituições públicas e privadas, e também dificulta
negociações comerciais. As empresa signatárias do Pacto
Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, dentre as quais estão alguns dos
principais grupos empresariais do país, assumiram o compromisso de não comprar mais de fornecedores
cujos nomes estejam no cadastro.
Os empregadores permanecem na lista
por pelo menos dois anos, período no qual serão monitorados. Após este prazo,
somente aqueles que sanarem as irregularidades, quitarem as multas e não
reincidirem na exploração de escravos serão excluídos. Nesta atualização,
apenas dois nomes foram retirados do cadastro (Dirceu Bottega e Francisco
Antélius Sérvulo Vaz), o que pesou para que a relação chegasse a quase 300
registros.
Escravos da cana
Também entra nesta atualização a
Usina Paineiras, que utilizou 81 escravos em
Itabapoana (RJ) em 2009. Um ano após o flagrante que resultou nesta
inclusão, a empresa comprou a produção da Erbas Agropecuária, onde foram flagrados 95 trabalhadores
escravizados. Em seu site, a usina afirma ter preocupação com os
empregados e faz propaganda do seu “Plano de Assistência Social”.
Mesmo com o aumento da preocupação
social por parte das usinas, real ou apenas declarado, o setor ainda emprega
mão-de-obra escrava. Recentemente, foram encontrados escravos até mesmo em colheitas
mecanizadas de cana.
Além das usinas, outras empresas
incluídas nesta atualização também têm o costume de apregoar ações sociais na
internet. É o caso da Miguel Forte Indústria S/A, flagrada explorando 35 trabalhadores,
incluindo três adolescentes, na colheita de erva-mate em Bituruna (PR). A madeireira, que
mantinha o grupo em barracões de lona sob comando de “capatazes”, anunciana sua página que “o apoio a projetos sociais que
promovem a cidadania e o bem-estar, principalmente entre a população carente,
mostra o comprometimento da Miguel Forte com os ideais de uma sociedade mais
justa e humana”. À frente da empresa, Rui Gerson Brandt, acumula o cargo de
presidente do Sindicato das Indústrias de Papel e Celulose do Paraná
(Sindpacel).
Hidrelétrica de Jirau
Não é só na monocultura ou no campo
que os flagrantes acontecem. As condições degradantes em projetos bilionários
do país têm sido uma constante e, nesta atualização, uma das
empreiteiras envolvidas na construção de uma hidrelétrica também entrou na
lista. A Construtora BS, contratada pelo consórcio Energia Sustentável do
Brasil (Enersus), foi flagrada utilizando 38 escravos
na construção da Usina Hidrelétrica de Jirau.
Além de enfrentarem problemas
relacionados aos alojamentos, segurança no trabalho e saúde, os empregados
ainda eram submetidos a escravidão por dívida, por vezes em esquemas
sofisticados que envolvem até a cobrança por meio de boletos
bancários, conforme denunciado pela Repórter Brasil.
Mesmo após o flagrante, as
condições de trabalho não melhoraram, segundo denúncias recentes. Em abril
deste ano, um grupo de 20 trabalhadores procurou o Sindicato dos Trabalhadores
da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) alegando que a BS não havia pago o
aviso prévio e eles estavam dormindo no galpão da Construtora, sem ter como
voltar para casa. Uma liminar chegou a bloquear os bens da empresa em 2011.
O isolamento, aliás, continua sendo
utilizado como ferramenta para escravizar pessoas. Nesta atualização da lista,
foi incluído Ernoel Rodrigues Junior, cujos trabalhadores estavam em um local
de tão difícil acesso que foi necessário um helicóptero
para o resgate dos trabalhadores.
Entre os libertados estavam dois
adolescentes de 15 e 17 anos e uma de 16 anos. Para chegar no local em que o
grupo estava, foi necessário percorrer a partir de São Félix do Xingu (PA) por
14 horas um caminho que contava com uma ponte de madeira submersa, balsa e
estradas de terra em condições tão ruins que foi necessário o uso de tratores
para desatolar alguns dos veículos. De acordo com os relatos colhidos pela
fiscalização, todos tinham medo de reclamar porque o fazendeiro e o segurança
da propriedade andavam armados. Para que conseguisse fazer a denúncia, um
trabalhador explorado conseguiu fugir e teve de caminhar durante seis dias pela
mata e por estradas de terra.
Família Peralta
Os Peralta começaram os negócios na
década de 1950 em Cubatão (SP). Em 2006, o escravagista Fernando Jorge foi um
dos homenageados pela Câmara de Cubatão na comemoração dos 50 anos da
família no Brasil. O flagrante que levou Fernando Jorge à “lista suja”
aconteceu em 2010 e envolveu a libertação de 11 trabalhadores de sua fazenda.
Inclusões
e Exclusões da “Lista Suja” do Trabalho Escravo
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Entraram
em 31/12/2011
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Agro
Pastoril Novo Horizonte S/A 78.231.701/0009-86
Antônio
Aprígio da Rocha 044.352.903-59
Antonio
Carlos Carvalho da Silva 025.346.492-72
Antônio
Erisvaldo Sousa Silva 848.437.303-78
Antonio
Sabino Rodrigues 542.529.626-68
Carlos
Augusto de Freitas 173.008.601-25
Carvoaria
Chapadão Ltda. 11.007.755/0001-34
Clauber
Almeida Lima 243.485.702-72
Cláudio
Augustos Rodrigues 026.484.708-32
Clézio
Oliveira Naves 841.635.001-97
Construtora
BS Ltda. 00.521.472/0003-51
Construtora Talaska Ltda. 08.722.775/0001-82
Edmar Koller Heller 239.538.379-15
Ernoel
Rodrigues Junior 478.378.881-20
Estrela
Agroflorestal Ltda. 79.441.168/0001-92
Evanildo
Nascimento de Souza 242.809.925-68
Fazenda
Brasnor Agropecuária S/A 04.885.034/0001-61
Fernando
Jorge Peralta e Outros 017.518.598-00
Francisco
Costa da Silva 154.167.984-91
Francisco
Silva Cavalcante 040.486.522-49
Gilson
Afonso dos Santos 195.532.425-53
J. L.
Zanetti ME – Hotel São Marcos 07.264.587/0001-95
José
Gomes dos Santos Neto 023.090.564-13
José
Palmiro da Silva Filho 111.577.121-34
José
Rodrigues dos Santos 598.157.285-04
Laert
Bolsoni 011.886.158-15
Lidenor
de Freitas Façanha Júnior 253.380.723 – 00
Luiz
Carlos Brioschi 379.675.257-87
Luiz
Geraldo Ferreira ME 80.031.263/0001-97
Manoel Marchetti Ind. e Com. Ltda. 84.148.436/0005-46
Manoel
Roberto de Almeida Prado 048.049.701-00
Marcus
Aristóteles Zilli 041.320.049-37
Marcus
Aurélio Caetano 547.704.326-15
Marizete
Alves Silveira Araraquara ME 03.335.501/0001-17
Miguel
Forte Industrial S/A-Papéis e Madeiras 81.645.525/0005-00
Nelson
Luiz Pereira 949.100.306-20
Olegário Germano
Ullmann ME 73.282.154/0001-05
Osmar
Brioschi 752.194.507-78
Osmar
Richter 277.821.079-20
Ovídio
Octávio Pamplona Lobato 008.492.602-30
Pedro
Eustáquio Pellegrini 350.483.286-04
Reniuton
Souza de Moraes 248.452.561-34
Rui
Carlos Dias Alves da Silva 050.386.934-15
Sormany
Amorim de Souza 557.670.605-68
Tarcio
Juliano de Souza 654.016.702-49
Thiago
Neiva Honorato 003.308.741-52
Transportes
Ari Barbieri Ltda. 72.316.540/0001-90
Usina
Paineiras S/A 27.777.903/0001-30
Usina
Santa Clotilde S/A 12.607.842/0001-95
Valdivino
da Rocha 169.919.661-34
Viderlândio
Rodrigues dos Santos 307.338.122-87
Wilson
Zemann 791.249.419-72
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Saíram
em 31/12/2011
|
Dirceu
Bottega 159.095.909-44
Francisco
Antelius Servulo Vaz 080.277.733-34
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Os integrantes da família Peralta
não são os únicos que receberam homenagens após denúncias de uso de escravos.
Luiz Carlos Brioschi e Osmar Brioschi, que também entram na lista nesta
atualização, foram flagrados se aproveitando de 39 trabalhadores na colheita do
café em Marechal Floriano (ES). Eles mantinham os empregados em regime de
escravidão por dívidas e em condições extremamente precárias de trabalho e
vida. Dois dias após a libertação ter sido divulgada, Osmar Brioschi esteve
entre os homenageados com placas e
diplomas na Assembleia Legislativa do Espírito Santo pelo “trabalho realizado em favor do
campo capixaba”, por iniciativa do deputado Atayde Armani (DEM-ES).
Devastação ambiental
Outro aspecto reforçado pela
atualização da lista é o elo entre escravidão e
devastação ambiental. O uso de escravos em grandes projetos de
desmatamento e em áreas com conflitos agrícolas é bastante comum. Desta vez,
foi incluído na relação Tarcio Juliano de Souza, apontado como responsável pela
destruição de milhares de hectares de floresta amazônica nos últimos anos.
Ele é considerado pela Polícia
Federal (PF) responsável por montar um esquema para desmatar cerca de 5 mil
hectares de floresta nativa na região de Lábrea (AM), onde mantém a Fazenda
Alto da Serra. Ele já chegou a ser preso em Rio Branco (AC) pelos crimes de
redução de pessoas a condições análogas à escravidão, aliciamento de
trabalhadores e destruição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e foi denunciado por tentar comprar
um fiscal. Na época, o superintendente regional do trabalho
Dermilson Chagas declarou que Tárcio estava à frente de um “consórcio de
fazendeiros” do Acre formado para transformar grandes áreas de Lábrea (AM) em
pastos, com a utilização criminosa de escravos para o desmate, para criar gado
bovino.
Também consta na inclusão a empresa
Manoel Marchetti Indústria e Comércio Ltda, pelo uso de 15 escravos em Porto
Velho (RO). Trata-se de um grupo empresarial que, no começo da década de 2000,
no comando da Fazenda Ipê, em José Boiteux (SC), envolveu-se em disputa por
terras com uma comunidade indígena da reserva Duque de Caxias. Na ocasião, a
Funai acusou exageros por parte da Polícia Militar na expulsão dos índios do
território em disputa. Mesmo após o flagrante de trabalho escravo em Porto
Velho e o histórico de conflito com índios em Santa Catarina, o Senado aprovou, em
novembro de 2010, outorga para a a Associação Recreativa e Esportiva Grupo
Manoel Marchetti para uma rádio comunitária por dez anos em Ibirama (SC), com
voto favorável do senador Flávio Arns (PSDB-PR).
Doutores em escravidão
Um ex-prefeito, um ex-secretário
municipal do Meio Ambiente e dois médicos estão entre os que entraram na
relação nesta atualização. O ex-prefeito Edmar Koller Heller foi
flagrado em 2010 explorando
mão-de-obra escrava em um garimpo na Fazenda Beira Rio, que fica em Novo Mundo
(MT), a 800 km da capital mato-grossense Cuiabá (MT), próximo à divisa com o
Pará. Edmar foi prefeito de Peixoto de Azevedo (MT) em 2000, pelo extinto PFL
(hoje DEM). Teve seu mandato cassado após ser acusado de desvio de recursos
públicos, contratação de pessoal especializado sem licitação e contratação
ilegal de veículos automotores de auxiliares de confiança.
Em 2007, ele se envolveu em outro
escândalo político e chegou a ser preso. Como secretário de Administração da
prefeita Cleuseli Missassi Heller, sua esposa, ele foi considerado responsável
por improbidade administrativa, configurada pelo favorecimento de uma única
empresa em processos licitatórios do município. Em 2009, a Terceira Câmara
Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a condenação.
Atualizações
anteriores
|
Confira o
histórico completo da “lista suja”*
|
Setembro de 2005 –
Lista suja de empregadores aos olhos de todos
Novembro de 2005 –
Ex-prefeito de Santos é incluído na 4ª atualização
Julho de 2006 –
Senador Ribeiro e acusado de matar Stang na lista
Dezembro de 2006 –
Libertação recorde está na nova “lista suja”
Dezembro de 2006 –
Libertação recorde foi inserida por equívoco
Julho de 2007 –
Nova “lista suja” inclui pela primeira vez AM, CE e SC
Dezembro de 2007 –
Atualização traz reincidentes e grandes empresas
Julho de 2008 –
Pecuaristas, usineiros e carvoeiros entram na lista
Dezembro de 2008 –
Juiz e proprietários em dez estados na lista
Julho de 2009 –
“Lista suja” adiciona produtores da fronteira agrícola
Dezembro de 2009 –
Cosan e mais 11 entram para a “lista suja”
Julho de 2010 –
Governo divulga atualização da “lista suja”
Dezembro de 2010 –
“Lista suja” inclui 88 novos empregadores
Julho de 2011 –
Com 48 inclusões, “lista suja” chega a 251 registros
|
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|
* desde a
criação do sistema de consultas da Repórter Brasil
|
Outro político que passa a fazer
parte da lista é Evanildo Nascimento Souza, flagrado com escravos quando ainda
era secretário de Meio Ambiente de Goianésia do Pará (PA). O homem que deveria
zelar pela natureza foi flagrado explorando escravos justamente no corte e
queima de madeira para produção de carvão. De acordo com o Ministério Público
do Trabalho (MPT), foram encontrados na Fazenda RDM (onde se localiza a
Carvoaria da Mata), em julho de 2009, nove trabalhadores laborando em condições
degradantes no corte de madeira, transporte, empilhamento, enchimento dos
fornos, vedação do forno com barro e carbonização.
Os trabalhadores não possuíam
equipamentos de proteção individual (EPIs) e estavam alojados em um barraco em
péssimas condições, sujo com detritos, restos de maquinário e peças de
veículos, armazenamento de combustível, sem separação para homens e mulheres,
nem ventilação e iluminação.
Os médicos incluídos na relação são
José Palmiro Da Silva Filho, CRM 830, flagrado com cinco escravos na Fazenda
São Clemente, em Cáceres (MT), e Ovídio Octávio Pamplona Lobato, CRM 3236,
flagrado com 30 escravos na Fazenda Tartarugas, em Soure (PA). O primeiro
assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) acertado com o procurador do
trabalho Roberto Portela Mildner, pelo qual se comprometeu a doar R$ 20 mil
para o Hospital Bom Samaritano de Cáceres. Em caso de reincidência, o acordo
prevê multa de R$ 10 mil por escravo encontrado.
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